Há quem diga que as coisas e os lugares têm alma, e há quem diga que não; não me atrevo a dar meu próprio parecer a respeito, apenas falarei da Biblioteca de Sóter. 

Homens fortes e escravizados construíram aquela Biblioteca em tempos imemoriais, quando esse ainda não era o nome daquele espaço. Eles molharam as areias do deserto com seu suor e sangue de modo que aquele local se erguesse no subterrâneo, e todos eles foram depois executados apenas para manter o segredo de sua construção, tendo em vista o pouco valor que era dado a vida daqueles homens.  No início, aquele lugar era apenas um porão em que um Faraó sem nome utilizava para guardar restos de suas conquistas, objetos que não podiam ser comercializados ou expostos, mas que ainda eram valiosos como itens de colecionador. Depois, quando mais tesouros chegaram ao crescente montante de riquezas do império, fez-se necessário que uma classe destes fosse arquivada como de categoria ultra-secreta. Livros com detalhes sobre as tradições antidiluvianas, tentativas blasfemas de ascensão de imperadores aos céus e segredos ocultos sobre contato entre homens e filhos de Deus caídos se misturavam de forma a mostrar como o conhecimento poderia ser poderoso para o mal. Esses foram os primeiros livros da biblioteca, e os cuja datação era mais antiga, foram usados ostensivamente ao longo dos anos naquela antiga nação pagã, até um prisioneiro que conhecia a Deus se tornar o segundo maior de todo o Egito, e selar todos estes atrás de passagens e armadilhas. Vários anos depois, a conta pelo uso daquele conhecimento maldito foi cobrada daquele país, mas essa história não entra nos anais da Biblioteca.

biblioteca de sóter

Com o poder mudando de mãos a paz finalmente se estabeleceu naquele país, a cultura começou a ter seu crescimento financiado por meio do poder do patrono das Letras, um antigo general de Alexandre, O Grande. Tal homem idealizou a maior biblioteca do mundo, porém não foi capaz de construí-la, mas descobrindo o espaço da antiga biblioteca a fez encher-se de pergaminhos e materiais, expandindo e a embelezando. Esse trabalho continuo fez com que o segredo da biblioteca se tornasse menos exclusivo, de forma que nobres e outras pessoas importantes podiam ter acesso a suas estantes e mesas gigantescas, em que estudavam, liam e debatiam. Seus herdeiros escutavam e aprendiam sobre as leis e as façanhas dos adultos, como também sobre o amado Império Grego, cujo auge nunca tinham visto e do qual não podiam se lembrar. E assim, a Biblioteca absorveu os sonhos de um povo jovem e alegrou-se quando seus utilizadores se tornaram mais refinados e felizes. Ali, onde em outros tempos tinham sido apenas fortes e escravizados, agora se lotava do saber de pessoas livres.

Porém sobreveio a morte e a passagem de poder, e o próximo imperador finalmente pôde construir aquela que foi chamada de A Grande Biblioteca de Alexandria. Os papiros foram então transportados para ela relegando à subterrânea as cópias sobressalentes, e para que essas duas fossem diferenciadas, a subterrânea foi nomeada de Biblioteca de Sóter, uma homenagem ao governante que a deu mais importância. Porém, com o tempo consolidando o protagonismo da mais nova, ela acabou voltando a ser apenas a secreta, e só a família real se manteve com seu acesso. Mas ainda assim continuou sonhando a Biblioteca de Sóter, passando por guerras, calamidades e mudanças. E ainda que os Reis que a visitassem falassem de grandes mudanças, a Biblioteca não notou, eles continuavam os mesmos, falando de coisas familiares antigas com a mesma pronúncia familiar antiga.

Muitos anos depois, a última dessa linhagem, uma bela rainha, tomou conhecimento que forças estrangeiras iriam invadir sua nação e acabar com sua dinastia, traumatizada pelo incêndio que havia destruído a Biblioteca mais nova poucos anos atrás, ela decide revelar a localização da Biblioteca de Sóter a um beduíno do deserto do qual era amiga, de modo que mesmo ao trazer para si o frio beijo da morte, o conhecimento do mundo não tivesse de ser perdido. Tal nômade então toma para si aquele local como lar, e a Biblioteca aceita seu grande clã de guardiões em si, feliz de ter suas câmaras repletas de pessoas novamente e solicita em oferecer seus registros sobre o mundo antigo de modo que o passado possa ser descoberto novamente.

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