Um dos significados de Clichê no dicionário Priberam é “lugar-comum”. Esta expressão, por sua vez, traz uma definição mais clara: ideia já muito batida. Um filme cujo protagonista é viciado em trabalho e só reconhece o valor da família no fim da trama não é nada novo, é muito visto. Mas nem só repetições se encontram nos Clichês, há lições atemporais também.
Click (2006) é um lugar-comum construído de forma criativa e que conseguiu ser incisivo na moral de sua história. Adam Sandler não é exatamente o mestre do humor, mas em certos momentos encenou o drama que o personagem pedia, o que surpreendeu positivamente por não ser sua maior marca como ator. Sobre o personagem Morty (Christopher Walken), podemos entender que desempenha também o papel da consciência de Michael Newman (Adam Sandler), e apesar de seu visual estereotipado de cientista maluco é através de algumas das suas frases que se vai tocando o público efetivamente.
Michael Newman tinha uma esposa, dois filhos, os pais ainda vivos e presentes e uma casa confortável, mas, apesar de tudo isso, limitava-se a ser um arquiteto que perseguia o sonho de tornar-se sócio do próprio chefe. Como vivia para ser promovido, negligenciava o tempo em família e era incapaz de ser grato por tudo que já tinha. Como se não bastasse, ainda nutria uma rixa com a criança da casa vizinha, o típico menino birrento que quer exibir o que tem, como se tivessem a mesma idade.
É justamente em uma dessas disputas, quando soube que os vizinhos tinham um controle remoto universal, que decide comprar um também. No entanto, nem precisou pagar pelo objeto que atenderia à todas as suas necessidades (ou que acreditava que eram urgências), pois Morty o deu de presente. Ao utilizá-lo, Michael percebeu que o controle funcionava na vida real e passou a pausar e pular discussões com a esposa, momentos com os filhos e com os pais e tudo o mais que exigisse se relacionar com seus entes queridos.
O trecho da música Deserto, onde Tiago Arrais canta: “Eu sei que é possível vivermos sozinhos, cercados de gente e de conhecidos, perdidos nas rotas de nossas rotinas, sem nunca sabermos nem rumo ou destino”, parece uma definição poética do viver no piloto automático, do levar a vida sem se conectar genuinamente com as pessoas, sem refletir sobre o próprio contexto, etc.
Assim como Michael, ninguém gosta da parte ruim da convivência, que implica certas responsabilidades com o outro, desentendimentos comuns, atritos, perdão. Mas, a bíblia nos ensina em Provérbios 27, versículo 17, que “As pessoas aprendem umas com as outras, assim como o ferro afia o próprio ferro”.
Outro problema é que, sem pensar duas vezes, até a os benefícios das relações o protagonista estava evitando, como um jantar em família ou um tempo de qualidade com a esposa. Já que a sua promoção no emprego era uma promessa futura, tudo na sua vida começou a ser acelerado para alcançar mais rápido esse alvo, mas Eclesiastes nos lembra do esgotamento a que muitos chegam por causa do trabalho e de como isso é “correr atrás do vento”, ou “ilusão” (Eclesiaste 2:21).
Quando Michael chegou ao auge da carreira, finalmente viu que o que sacrificou em nome do trabalho: o casamento, a criação dos filhos e o tempo que restava com seus pais. Mesmo que seus entes queridos desfrutassem com ele do sucesso profissional, continuaria inválido porque ele havia perdido todos aqueles anos com a família. Lembrando que o controle não o tirava da realidade, mas o fazia atravessá-la sem que a pudesse sentir ou recordar.
Há motivos que asseguram a existência dos clichês. Seja porque muitas pessoas ainda sentem medo de arriscar algo novo, seja pelo costume de consumir o que já está pronto e acessível, ou por qualquer outro motivo, fato é que histórias sobre sucesso profissional e fracasso familiar se repetem ou vendem bastante porque o problema continua atual e seus efeitos são sentidos por toda a sociedade.