Em uma conhecida revista brasileira, certo jornalista afirmou que Maquiavel nunca disse a famosa frase “Os fins justificam os meios”. Clarice Lispector, se ainda estivesse entre nós, provavelmente também negaria a autoria de algumas que circulam em seu nome…
A grande questão é que muitas pessoas se apropriaram da célebre citação fora de contexto para fundamentar suas práticas erradas em nome de um objetivo final. Até podemos ser tentados ao vale tudo em nome de um “bem maior”, mas, a primeira carta de Pedro nos ensina a manter a consciência limpa (3:16), e completa: “Assim, quando vocês forem insultados, os que falarem mal da boa conduta de vocês como seguidores de Cristo ficarão envergonhados.” (1 Pedro 3:16).
“Gone” (2012) é a busca implacável de Jill (Amanda Seyfried, aliás, convincente em qualquer papel) pela irmã Molly (Emily Wickersham). A experiência de ser refém e fugir de um cativeiro marcou a vida da protagonista de forma decisiva, juntamente com o período na ala psiquiátrica. Apesar das buscas da polícia de Portland, onde a história se passa, o bandido nunca havia sido encontrado, então concluíram que tudo não passou de um devaneio da vítima. Quando Molly desapareceu, Jill tenta provar que seu agressor voltou, só que dessa vez para buscar a irmã. Sua convicção inabalável foi um impulso para provar o que acreditava ser verdade. O problema está na forma.
Um homem de fé em um mundo descrente
Em toda a narrativa bíblica, Deus usou profetas para alertar as pessoas sobre a verdade, homens que nem sempre foram bem recebidos pelo que diziam. As profecias anunciavam acontecimentos futuros, então, os incrédulos não se arrependiam no presente e viviam “normalmente” suas vidas.
Apesar de não ter a responsabilidade de um profeta, Noé servia a Deus. Obedecê-lo diante da tragédia futura deve ter lhe custado, ao menos, a popularidade (se é que tinha alguma). O mundo era perverso e Deus iria destruí-lo, mas somente aquele homem e sua família estariam a salvo da ira divina. Enquanto Noé construía uma arca gigante, a terra seguia seu curso natural. “A vinda do Filho do Homem será como aquilo que aconteceu no tempo de Noé. 38Pois, antes do dilúvio, o povo comia e bebia, e os homens e as mulheres casavam, até o dia em que Noé entrou na barca. 39Porém não sabiam o que estava acontecendo, até que veio o dilúvio e levou todos.” (Mateus 24: 37-39).
Jill tinha profunda convicção da verdade, mas, ao contrário de Noé, fez justiça com as próprias mãos. A justiça humana pode cometer erros como o de se deixar corromper, mas, como filhos de Deus, não fomos chamados para a vingança ou para fazer nossas próprias regras quando as das autoridades não funcionam.
O ódio de Jill parece ficar mais intenso ao se sentir descredibilizada pela polícia local e em sua busca por Molly a protagonista cria muitas mentiras e envolve pessoas inocentes. Defender “com unhas e dentes” uma coisa na qual só você acredita pode ser desgastante e desesperador, só que não é nosso papel tentar provar a todo custo. Cristão, mesmo que o alvo seja nobre, os fins não justificam os meios. Para Deus, do início ao fim, todo o nosso trajeto deve ser correto.