Ofélia e o (nosso) dilema de identidade
A apresentação de curiosos enigmas de um universo fantástico entrelaçados à uma devastadora realidade. Esta é uma explicação concisa dos primeiros cinquenta minutos de O labirinto do fauno, dirigido por Guillermo Del Toro e lançado no Brasil em 2006.
O mundo vivenciava a segunda guerra e a Espanha convivia, paralelamente, com a ditadura de Francisco Franco, apoiada pela Alemanha nazista e a Itália Facista, e que durou quase 40 anos! O século 20 foi marcado por vários regimes autoritários, inclusive no Brasil, mas o Franquismo certamente foi um dos mais massacrantes aos seus opositores. Somente na época do “Terror branco”, foram assassinadas, pelo menos, 150 mil pessoas, além dos outros crimes.
É neste contexto que a história de Ofélia, uma garotinha inteligente e observadora, se desenvolve. Aparentemente seu pai, que trabalhava como alfaiate, havia se perdido na guerra, e sua mãe havia se casado com o cruel capitão Vidal, de quem esperava um filho. As duas vão viver em um moinho, na Espanha, em 1944, junto com a nova (nada convidativa) família: o capitão e seus homens. Mas uma empregada, Mercedes, se destaca pelo relacionamento que constrói com Ofélia e por ser uma infiltrada contra o regime vigente.
“Filho de peixe peixinho é”?
A caminho da nova residência, a mãe de Ofélia manda a filha cumprimentar o capitão e chamá-lo de “pai”, porque acreditava que Vidal havia beneficiado as duas. Mas a menina reafirma com veemência a Mercedes, logo no início do filme, que seu pai era um alfaiate. Mesmo diante do fauno, em seu primeiro contato com a criatura, Ofélia não se intimida e corrige o Ser sobre quem acredita que é seu pai: um alfaiate que se perdeu no início da guerra.
Ao longo de toda a bíblia vemos os filhos serem reconhecidos pelos nomes de seus pais (as genealogias que o digam), e é assim conosco ainda hoje. Felizmente, e em outros casos infelizmente, temos também como herança o que os nossos pais são ou foram. Ofélia não queria estar relacionada ao carrasco capitão Vidal e com uma certa inquietação, quase um desespero contido, trata logo de se desvincular de quem ele é. Jesus, no entanto, em sua missão nesta terra, fez questão de ressaltar que veio fazer a vontade do seu Pai, a ponto de dizer que era desta soberana vontade que se alimentava! (João 4:34). Mesmo quando é bom o legado dos nossos pais terrenos, é o nosso Pai celestial, eterno, o único que pode dizer quem somos.
Somos as pessoas que admiramos?
É comum celebridades, e nesta categoria cabe os diferentes tipos (cantores, atores, líderes de modo geral, ricos empresários…) tornarem-se “ídolos” de suas gerações por inspirarem milhões de pessoas pela personalidade, modo como se vestem, o que realizam etc. E depois da popularização da internet, os critérios para se tornar um “ídolo” já não estão mais rígidos, então as pessoas veneradas multiplicaram-se.
Em 1 Coríntios 3 alguns servos de Cristo também haviam conseguido, ainda que sem intencionalidade, muitos fãs. “Quando alguém diz: “Eu sou de Paulo”, e outro “Eu sou de Apolo”, será que assim não estão agindo como pessoas deste mundo? (versículo 4). Há pessoas comprometidas com Deus que nos auxiliam e nos inspiram em nossa caminhada na fé, mas seja elas ou quaisquer outras que admiremos, jamais devem nos definir.
Somos o que fazemos?
Por mais tentador que seja deixar que nossas conquistas acadêmicas, materiais, amorosas, ou qualquer outra coisa que façamos, nos deem um significado, elas não podem dizer quem somos. É aceitável sim, comemorar nossas realizações, o resultado das habilidades que Deus nos concedeu, mas é necessário lembrar a raiz de toda e qualquer competência: Jesus disse que sem ele nada podemos fazer (João 15:5).
Assim como Ofélia foi marcada pelo verdadeiro pai, o Espírito de Deus nos confirma que somos filhos dEle (Romanos 8:16). Existe maior título do que, ao ter recebido a Cristo, poder ser chamado de filho de Deus? É isto que somos.