Talvez a graça do suspense seja o enquanto. Ou a explicação, no final, de todo o enredo antes emaranhado. “Oferenda à tormenta” (2020) traz ambos e deve ter conseguido a proeza de ser, além do último, o melhor filme da trilogia Baztán, baseada nos livros de Dolores Redondo.
Se o primeiro longa sugeria que a mãe da protagonista era a vilã-mor, ainda que seja uma personagem cruel, o terceiro revela um pano de fundo por trás desta mulher, que não é “apenas” perturbadora. É também perturbada e manipulada.
Todos os assassinos envolvidos na seita exposta na história são devotos de uma entidade da mitologia Basca. Pessoas com certo grau de instrução que cegaram pelos “encantos” de um falso deus que lhes prometia dar o que quisessem. A entrega profunda e inconsequente dos participantes da seita até pode chocar quem assiste a trilogia, mas a idolatria está mais enraizada em nossas vidas do que percebemos.
Ao longo de todo o antigo testamento vemos a saga intensa dos Israelitas. Sofridos, mas rebeldes e teimosos. Depois de Deus libertá-los de forma extraordinária do domínio egípcio, Israel, em um momento de ausência de Moisés enquanto estava a sós com Deus, ignora tudo o que aprendeu e resolve adorar outros deuses. “Vendo o povo que Moisés não desceu logo da montanha, foi ter com Aarão e disse-lhe: “Olha, faz-nos ídolos, para que tenhamos deuses que nos guiem, pois não sabemos o que foi feito desse Moisés que nos tirou do Egito.” (Êxodo 32:1).
A ingratidão e teimosia dos israelitas é impressionante, mas o pecado que mais nos salta aos olhos, repetido quantas vezes fosse possível, é a idolatria. Como uma nação que experimentou tanto do amor, perdão e milagres de Deus foi capaz de trocá-lo por qualquer outro? Não sem razão Israel causa indignação. O problema é que também pecamos nisto, com a diferença que alguns de nós estão conscientes e lutam contra, enquanto outros sequer têm ciência disto.
Na trama, a entidade Basca exigia sacrifícios de meninas bebês em troca de favores concedidos aos seus devotos. Lembremos que sacrifício é renunciar a algo em prol de um bem maior.
Mas a protagonista, Amaia, também tinha seus ídolos, ainda que sem perceber. Vivia para o trabalho em detrimento da vida em família e de cultivar amizades. Acontece que em sua entrega desmedida à profissão não foi capaz de enxergar quem de fato era o maior vilão, assim como seu representante.
Como cristãos estamos acostumados a limitar a idolatria ao culto de imagens feitas pelos homens, ao pagamento de promessas (muitas delas dificílimas) e a rituais macabros, mas a nossa dedicação diária nos mostra a quem somos devotos. Para quem ou para o quê temos vivido?